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segunda-feira, 27 de março de 2017

Questões basilares e recorrentes

Não sei exatamente por que, mas o blog recentemente tem atraído um público significativamente maior que no último ano. Por enquanto, isso tem sido positivo, visto que discussões saudáveis têm acontecido entre investidores realmente interessados em estudar e se desenvolver. Meu último post de fechamento, por exemplo, foi um festival de perguntas técnicas sobre empresas.

Sendo assim, resolvi fazer um apanhado de algumas questões que têm sido recorrentes, algumas delas já abordadas anteriormente. Faz parte: estudar investimentos, assim como em filosofia, envolve estar sempre voltando aos mesmos pontos, como em círculos. Não são ciências lineares, com respostas certeiras e pelas quais se pode tirar conclusões definitivas. Sempre decorrem novos pontos de vista e novas nuances a serem analisadas.

O que me inspirou a criar este post foram as perguntas sobre "se a ação X está cara". Quando me perguntam algo deste tipo, inúmeras coisas me vêm imediatamente à cabeça. Comecemos do início.

Após algumas frustrações com amigos, estou convencido: análise de empresas não é para qualquer um, como se vende em vários livros. E digo isso pelo seguinte: analisar empresas absolutamente não é necessário para se formar uma boa carteira.

Existem duas áreas distintas dentro do estudo sobre investimentos: gestão de portfólio e análise de empresas. Ambas importantes, porém a primeira é fundamental, já a segunda não. Um erro na primeira área pode causar prejuízos terríveis e arruinar uma carteira de investimentos. Um erro na segunda também, porém não para um investidor que se preocupou com a primeira.

Resumo: a decisão fundamental em uma carteira de investimentos diz respeito ao gerenciamento de seu portfólio.

Não está entendendo nada? Deixe-me explicar melhor.

Gestão de portfólio é a área onde são abordados assuntos como: quais classes de ativos investir, qual percentual de alocação em cada classe, quantas ações possuir na carteira, metodologia de aportes, rebalanceamento e sua periodicidade, gestão ativa ou passiva, etc. Aqui está o cerne de toda carteira de investimentos, visto que é através da gestão inteligente do portfólio que a decisão sobre risco/retorno esperado poderá ser definida pelo investidor.

Já na análise de empresas é onde executamos a análise qualitativa e quantitativa de cada empresa específica, e isso envolve: estimativa de um preço justo (ou valor intrínseco), cálculo da margem de segurança, análise relativa, estudo do setor, análise do produto ou serviço, análise dos balanços e relatórios, análise da governança, etc.

Bem diferentes, não? E repetindo: o fundamental está em gestão de portfólio. Mas deixarei este assunto para outra ocasião. Aliás, estou devendo alguns textos para o blog...

Neste artigo, como anunciado, farei um apanhado de questões que têm sido recorrentes, além de algumas basilares ao estudo do investimento. Comentários curtos, porém abrangentes, de forma a deixar delineado, dentro do possível, o que penso sobre o assunto. Então vamos lá.

Análise técnica
Mostre-me algum "tubarão" do mercado que tenha cabelos brancos. Isso não significa nada? Então outra: mostre-me algum analista técnico bilionário que ganhou dinheiro consistentemente ao longo de mais de vinte anos. Não vale alguém que ficou rico em apenas algumas tacadas, porque isso estatisticamente tem de acontecer. Não existe? Suspeito que haja algum motivo.

Ainda não fui convincente? Então pense: se existe algum meio de prever um comportamento futuro através da análise de dados que seja estatisticamente favorável, por que algum milionário não comprou um computador da NASA e colocou uma equipe com vinte hackers selecionados a dedo da Rússia e Oriente Médio para programar o operacional mais perfeito da face da Terra capaz de combinar 300 mil dados simultâneos e realizar 2 mil operações por segundo? Se existe 0,1% de probabilidade a favor, creio que este método daria bilhões em algumas dezenas de dias... Mas por que ninguém fez? Suspeito que não exista probabilidade a favor no que tange ao comportamento do mercado.

Gestão de portfólio
Pense no seguinte: o que você crê que seja mais provável no mercado de ações: ficar magnificamente rico, ou ficar miseravelmente pobre? Acho que é uma questão óbvia, já que temos vários exemplos da segunda hipótese e pouquíssimos da primeira. A grosso modo, podemos então dizer que dos que tomam altíssimos riscos, apenas uma seleta minoria obtém altíssimos retornos. Por outro lado, sabemos que quanto mais diversificada é uma carteira de ações, ou ainda, quanto mais títulos do governo possui uma carteira, menor a chance desta colapsar. Desta feita, é forçoso dizer que uma estratégia que minimize os riscos tenha mais chance de ser bem sucedida do que uma que tente maximizar os retornos.

Ou por outra: abdicar da possibilidade de performances extraordinárias pode ser frustrante, mas talvez seja a melhor decisão.

Renda fixa
As ações são o melhor investimento no longo prazo. Ponto. O equity premium só existe porque existe uma expectativa de retorno superior por parte das ações num prospecto futuro.

Porém, também sabemos que ativos com correlação negativa, quando combinados, elevam a expectativa de retorno de uma carteira, e isso quer dizer o seguinte: não faça como eu fiz, e tenha seu percentual em renda fixa, além de combinar outros ativos com correlação negativa.

Stock picking

Stock picking quer dizer selecionar a dedo as próprias ações, e para falar disso no Brasil temos de levar alguns pontos em consideração: 1) existe uma vantagem tributária em relação aos ETF's onde vendas abaixo de R$ 20 mil mensais são isentas da alíquota de 15% de imposto de renda; e 2) o Brasil é pobre em ETF's e a composição do nosso índice de mercado (Ibovespa) é péssima e não representa o retorno geral do mercado acionário. 

Feitas as ressalvas, afirmo: mesmo assim para o investidor comum investir em ETF's é a melhor opção, porque o investidor comum não suporta a pressão psicológica de ver a carteira cair 30% e não vender; porque o investidor comum gira a carteira excessivamente; porque o investidor comum não diversificará o suficiente; porque o investidor comum cometerá erros de análise; porque para o investidor comum os 15% de diferença no imposto de renda não farão a menor diferença perante aos pontos que provavelmente ficará abaixo do rendimento do índice.

Mesmo assim quer fazer stock picking? Então te pergunto: você entende que análise de empresas se aproxima mais de uma arte que de uma ciência? Você entende que inevitavelmente cometerá erros que jogarão para baixo sua rentabilidade? Você está ciente de que comprando o ETF e não fazendo mais absolutamente nada você provavelmente se sairá melhor? Você sabe que 80% dos investidores perdem para o índice no longo prazo? Você consegue imaginar o esforço e o desgaste de ficar analisando um monte de empresas e lendo balanços algumas vezes ao ano? Você sabe que sua planilha ridícula de comparativo de P/L's não é nada perto de softwares profissionais como o Economatica? Você calcula o tamanho de sua soberba em achar que é capaz de bater o mercado? Mesmo assim quer fazer stock picking? Ok, bem-vindo ao clube.

Diversificação
Pelo amor de Deus, esqueça o Axiomas de Zurique! É um livro com alguns bons insights, mas não tente aplicá-lo à risca. 

É difícil assumir, mas na maior parte do tempo estamos errados, nossas análises são falhas e não sabemos exatamente o que estamos fazendo. A solução para isso é a diversificação. Não iremos acertar sempre, precisamos apenas acertar mais do que erramos, e focar em proteger-nos de nós mesmos.

Ser sócio das melhores empresas...
não é sinônimo de obter os melhores retornos. Tudo dependerá do preço a ser pago pelo investimento. Empresas caras têm de apresentar resultados fantásticos para gerar altos retornos. Empresas baratas geram altos retornos com resultados apenas razoáveis. Escolher empresas com retornos futuros razoáveis é mais fácil que escolher empresas com retornos futuros extraordinários.

P/L
Uma empresa P/L 5 retorna o seu investimento em 5 anos caso mantenha sua lucratividade constante. Uma empresa P/L 20 precisa de um aumento anual de cerca de 70% dos lucros durante os mesmos 5 anos para te dar o mesmo retorno. Uma empresa P/L 5 está barata em um setor com P/L médio de 20.

Isso pode ser útil, mas o P/L não serve para muito além disso.

Growth caps x value caps
Existe uma expectativa de retorno superior por parte das value caps em relação as growth caps. Existem tantos estudos e livros que corroboram essa afirmação que, para mim, quem ainda não entendeu é porque não quis. Value caps, juntamente da maior expectativa de retorno, possuem maior risco. É a mesma discussão de que ser sócio das melhores empresas não te garantirá os melhores retornos. Aliás, nada que você fizer te garantirá retornos sequer satisfatórios no mercado de ações.

Sócio x trade e trade de valor
Definições fracas, que não encontram respaldo na literatura. Prefiro trabalhar com "investimento x especulação", aí sim uma definição que faz todo sentido e pode ser tratada de forma madura. Segundo a "sócio x trade", se você não comprar uma empresa que julga excelente ou colocar o preço como variável a ser analisada, você estará fazendo um trade. Nada mais absurdo: primeiro porque sua análise pode estar errada, segundo porque isso implica que se uma empresa piorar ela se torna uma empresa "trade" (?), e terceiro porque rios de dinheiro podem ser ganhos investindo em empresas em recuperação, ou empresas mal precificadas por problemas temporários.

Estimar uma margem de segurança para o investimento é "trade de valor"? Piada, até mesmo porque este termo é inexistente na literatura.

Moedas e ouro
Ambos não são ativos geradores de renda, portanto, possuem expectativa de retorno real próxima de zero no longo prazo. Investir em ouro ou em alguma moeda só faz sentido do ponto de vista de diversificação, de atenuar os riscos e diminuir o desvio padrão da carteira. Se você compra dólar porque acha que vai subir, você está especulando e não investindo. Não há problema nenhum nisso, desde que você saiba o que está fazendo.

Bitcoin? Entra no mesmo conceito. A menos que você consiga estabelecer um preço justo para esta moeda e justificativas razoáveis para tal, você também estará especulando. 

Risco x retorno
Esse deve ser o norte de qualquer investidor antes de realizar qualquer investimento. Não faz sentido comprar, por exemplo, FII's caso seu prêmio de risco esteja negativo, o que quer dizer que se estará assumindo um risco adicional para uma expectativa de retorno menor que a taxa livre de risco.

Sempre devemos ter em mente quanto ganharíamos na taxa livre de risco. E isso exige que entendamos um pouco de preço, um pouco de risco e um pouco sobre retorno esperado.


A ação X está cara?
Para fechar, uma questão aparentemente simples, porém das mais complexas. Se achava que ser cara ou não é uma questão de P/L, lamento: exige uma análise minuciosa. O adjetivo "cara" carece de um parâmetro, e aqui é onde mora o problema, pois o parâmetro é o valor intrínseco, algo nada simples de ser estimado. Sim, também podemos dizer que uma empresa está cara comparando-a com seu setor, mas não é esse o objetivo de quem normalmente faz a pergunta.

Se tem algo complicado, ambíguo e trabalhoso dentro do estudo sobre investimentos é o tal cálculo do preço justo. Sugiro desconfiar de alguém que tem opiniões sobre o preço de muitas empresas, porque isso exige um estudo detalhado do setor e das empresas concorrentes, dos produtos e serviços, da qualidade da administração, do potencial de crescimento, envolve intangíveis como marcas ou patentes, e mais um emaranhado de minúcias que dificilmente permitem que um investidor tenha segurança para falar sobre o preço de mais de dez empresas (na maioria dos casos sequer de uma). Olhar para um P/L e dizer que uma empresa está cara é ignorar o que talvez seja o principal fator de perpetuidade de uma companhia: sua qualidade.

15 comentários:

  1. Excelente, Pretenso Milionário. Resumo muito bem elaborado sobre gestão de risco da carteira.

    Abraços!

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  2. Boa pretenso milionário!

    Esta questão do PL é muito importante " Valuation" existe inúmeros modelos.

    Por exemplo para fazer valuation de um ativo estudo umas 30 variáveis, adiante projeto fluxo de caixa para futuro com um modelo que desenvolvi no qual combino DFC e crescimento.

    Também estudo macroeconomia, procuro saber qual setor se dará melhor em determinado cenário da economia tupiniquim.


    Resumindo é muito estudo! Cheguei recentemente aos 2% a.m sobre capital investido, acredito ser um absurdo para minha parca carteira. Neste meio tempo acertei mais do que errei , evidente que tudo pode mudar, porém nunca comprei esta baboseira de preço não importa,mesmo o famoso PL sendo apenas primeiro filtro do valuation.

    Temos como exemplo clássico a queridinha ambev.


    Um dos indicadores que uso para valuation de varejo&Consumo é o market share da empresa no mercado.

    Ambev possui algo em torno de 60% do mercado nacional, para onde esta empresa vai crescer?

    O lucro só pode crescer neste cenário com corte de despesas ou aumento de receita com novos produtos.

    A taxa de crescimento tende ficar muito pequena adiante pelo preço absurdo que a ação é negociada no secundário.

    Aquela máxima do PL se aplica na ambev, para justificar este PL absurdo esta empresa teria que crescer muito, porém quando olhamos a participação da mesma no mercado local constataremos que não tem para onde crescer.

    Um dos argumentos da filosofia preço não importa em época passadas era o seguinte: Antigamente ambev era negociada por um PL alto, todo analista mandava vender.

    Existe um engodo neste argumento!

    PL para pequenas e médias empresas deve ser ponderado pela capacidade de crescimento futuro da mesma.

    Qual era participação do market share da ambev nos anos 2000, evidente que era menor que atualmente.

    Além disso a empresa poderia ser considerada uma MID cap naquela época.

    Empresas bem estabelecidas no mercado são negociadas por preços absurdos, bastaria alguma perda na margem ou market share para esta ação desabar.

    Faz 3 anos que o lucro líquido da ambev não aumenta!
    Faz 3 anos que preço da ação não sai do lugar.

    Neste meio tempo CDI ou custo do dinheiro foi de mais de 35% ou sejá se tu comprou ação 3 anos atrás obteve como retorno algo próximo de 12% de dividendos líquido de IR.

    Há um ano atrás caso tive-se comprado ITAUSA, Bradesco, Itau teria ganho mais de 50% apenas com a valorização da ação fora os dividendos&Bonificações.

    Outra exemplo mid cap lucrativa do período, Grazziotin que era negociada por ridículos 10 reais no final de 2015, atualmente custa dobro do valor.

    Possuo alguns FII em minha carteira com mais de 50% de valorização neste período.

    Comprei umas parcas posições em Bradesco por 18 reais e itau por 21 reais.

    Atualmente
    Bradesco 32,50
    Itaú 34 reais.



















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    Respostas
    1. Mestre,

      Excelente comentário. Existem vários engodos e um deles é exatamente este de que desempenho passado garante desempenho futuro. Pelo contrário, normalmente as empresas não conseguem repeti-lo justamente pelo tamanho. Portanto, a possibilidade de ter um retorno significativo numa empresa precificada e do tamanho da Ambev, atualmente, é muito pequena.

      Abraços.

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  3. Vou guardar pra ler mais tarde. Esse texto tá parecendo a trilogia do senhor dos anéis. Grande pra burro!
    Mas se for pra agregar tá valendo!
    Forte abraço meu amigoA

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  4. Olá, sobre investimento x especulação, trago as definições das palavras, no google:
    investimento: aplicação de recursos, tempo, esforço etc. a fim de se obter algo.
    especulação: operação financeira que visa obter lucros sobre valores sujeitos à oscilação do mercado.
    Ou seja, todo investimento em valores sujeitos à oscilação é uma especulação, e toda especulação é um investimento.
    Abraço

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    Respostas
    1. Anônimo,

      "Investimento x especulação" é uma definição oriunda de Graham e Dodd, que diziam que um investimento é algo que pode ser justificado nos campos quantitativo (a grosso modo, balanços) e qualitativo (a grosso modo, a posição da empresa no setor); algo fora disso seria especulação.

      Algo parecido pode ser visto em Damodaran, quando busca justificar seus investimentos através da análise intrínseca e relativa.

      O que, grosseiramente, diferencia o investimento da especulação é que no primeiro você compra algo que crê estar custando menos do que vale —e possui justificativas para tal—, e no segundo caso você compra porque acha que vai subir. Ou de outra maneira: o que diferencia ambos é o raciocínio por trás da aplicação do capital, que independe da sujeição deste mesmo à oscilação.

      Abraços.

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  5. Muito bom texto, PM. Não sou muito fã de ETFs no Brasil por conta da isenção tributária para ações individuais, mas o argumento de que tal estratégia é melhor para o investidor médio é inquestionável.

    A imensa maioria dos que tentam bater o mercado teriam melhor rentabilidade (antes de impostos), maior diversificação e menores custos comprando PIBB e IVVB.

    Te adicionei lá no blogroll.

    Abraços,

    IOTR

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  6. Concordo com suas ideias PM! Já vão para 15 anos que invisto com o conceito de carteira de ativos e ão me arrependo nenhum pouco. Apenas reforço que um bom gerenciamento precisa ter moedas como seguro sim (em seu texto pareceu que isso não era tão importante). Foi esse pilar da carteira que me salvou em 2008 rsrs.

    Abraço!

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    Respostas
    1. André,

      De fato, eu não creio ser tão importante no longo prazo. Mas essa é minha estratégia, claro.

      Creio que investindo em ativos internacionais já se obtém os benefícios da diversificação em moedas, porém através de ativos geradores de valor.

      Abraços

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    2. Olá PM! Apenas para pontuar: considero o ouro também um ativo de câmbio (talvez eu deveria ter usado essa denominação ao invés de "moedas"). Em uma crise mundial, será apenas ele (e mais propriedades físicas) que serão o seu seguro.

      Abraço!

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