Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

domingo, 10 de setembro de 2017

Fechamento - Agosto/2017

Por um milagre, acabei lembrando-me que tenho uma carteira de ações e me comprometi a realizar fechamentos mensais neste blog.

Peço as devidas vênias pela brevidade, mas neste último mês tirei férias, minha rotina acabou modificando-se bruscamente e, a despeito de alguns temas interessantes que tenho delineados em rascunhos, não tenho conseguido encontrar tempo para o blog.

Abaixo, as rentabilidades:


Rentabilidade mensal: 2,44%
Rentabilidade anual: 24,82%
Rentabilidade histórica: 34,83%

Nesta próxima semana, infelizmente, ainda não conseguirei publicar nenhum texto. Me esforçarei para que nas próximas duas voltemos à rotina.

Um abraço.

segunda-feira, 31 de julho de 2017

Fechamento - Julho/2017

O leitor mais atento já percebeu a ausência dos tradicionais valores no título da postagem. Pois é. A partir deste mês, opto por não mais divulgá-los. Os motivos são os óbvios, além de que, vista os rumos que o blog vai tomando, a evolução patrimonial tem pouco a adicionar. No resto, continuamos da mesma forma. Para os interessados, a carteira finalmente ultrapassou o sexto dígito, e o mês foi excelente em todos os quesitos.

As rentabilidades mensais, por sua vez, continuarão a ser divulgadas, e talvez a ausência dos detalhes rotineiros permita-me abordar questões mais interessantes a respeito de minha estratégia.

Conforme anunciado no último fechamento, a carteira ganha uma nova empresa, mas a reserva em liquidez continua a ser alimentada. O leve desconforto em relação ao mercado se mantém, já que pouca coisa se alterou desde então.

E como diz o sábio, na ausência do que se dizer, é melhor que não se diga nada, por isso passamos diretamente para os números:



Rentabilidade mensal: 5,01%
Rentabilidade anual: 21,78%
Rentabilidade histórica: 31,51%

Uma rentabilidade notável, que reforça o ainda mais o bom resultado anual da carteira. Desta vez, ficamos bem próximos do Ibovespa, apesar dos nada parecidos portfólios e respectivos perfis de risco.

A grande novidade do mês fica para o fato de que agora possuo uma secretária, então, possíveis sugestões ou reclamações, peço que tenham a delicadeza de encaminhá-la. E sim, caros leitores, o café está saboroso como nunca.

Ficamos por aqui...

terça-feira, 25 de julho de 2017

Alocação, diversificação e correlação entre ativos - Parte 3

Finalmente, rumamos ao ponto final desta série de artigos, que já deve, há muito, ter cansado o leitor. Na minha visão, o tema gestão de portfólio é interessantíssimo e fundamental, por isso, tenho o abordado com tanta insistência. Justifico que este blog tenciona ocupar um espaço mais técnico, e estritamente técnico dentro da nossa blogosfera financeira, e bom... aos leitores que suportam, vamos a mais um festival de gráficos e termos complicados (que só parecem complicados).

No artigo anterior, o conceito de correlação entre ativos foi abordado com certa profundidade, porém creio que ainda careceu de exemplos mais práticos. Nesta terceira parte, abordaremos correlações entre classes de investimentos tradicionais do mercado —e colocaremos o ponto final nesta série, como ansiosamente suplica o leitor.

De início, gostaria de ter feito um estudo no mercado brasileiro, calculando a correlação histórica entre nosso Ibovespa e o índice IFIX, e também com algum fundo de renda fixa. Contudo, os dados disponíveis sobre o desempenho do IFIX englobam um período histórico desprezível, o que deixaria nossa análise pobre e incompleta. Por isso, novamente utilizarei dados do mercado americano, já que estes dispõem de absoluta abundância e torna possível um período de análise mais amplo. Creio que o raciocínio desenvolvido aqui se aplica perfeitamente ao mercado brasileiro, já que as classes de ativos são bastante parecidas —REIT's com FII's e os respectivos títulos de dívida e mercados acionários.— Se existem diferenças entre elas, e obviamente existem muitas, creio que a correlação entre as classes seja bastante semelhante, e, por hora, isso nos basta.

Stocks vs bonds
Começaremos com a clássica correlação entre ações e títulos públicos, ativos que são utilizados majoritariamente pelo investidor comum afim de equilibrar sua exposição ao risco. Para tanto, teremos o auxílio de dois gráficos disponibilizados por Antti Ilmanen, em seu brilhante Expected Returns: an investor's guide to harvesting market rewards.

O gráfico acima nos mostra a correlação entre ações e títulos (stock-bond correlation) em duas métricas diferentes e comparando-as com a inflação. Este gráfico contém tanta informação que fica difícil saber por onde começar. Irei me ater ao tema do artigo.

Pois bem. O eixo à esquerda nos mostra a correlação entre os ativos, que como sabemos, representa o grau de vínculo entre seus comportamentos. Correlações positivas denotam uma tendência de movimentos no mesmo sentido; correlações negativas, movimentos contrários. Quanto maior a correlação, tanto maior a força desta tendência.

Observando o gráfico, o que primeiro percebemos é que, como já anunciado no último artigo, a correlação entre ativos não é estática. Isso encontra respaldo no perfil de ambos investimentos: enquanto as ações são lastreadas em negócios físicos, geradores de caixa e associadas ao desempenho do mercado como um todo, títulos são instrumentos de dívida, o que envolve variáveis diferentes —apesar de várias em comum.

Ao longo do período analisado, percebe-se que a correlação entre ações e títulos foi levemente positiva, com um período de destaque entre 1965 e 1997, onde houve uma grande mudança na inflação esperada. Períodos de correlação negativa puderam ser observados, o que indica que a combinação entre as classes pode ser vantajosa em diversos cenários, principalmente em se tratando de crises.

Outro ponto importante é a clara influência que a inflação exerce sobre a correlação destes ativos. Períodos de alta inflação normalmente vêm acompanhados de alta incerteza. Os yields do títulos tendem a subir de forma gerar um prêmio de inflação ao investidor, já que esta constitui o maior risco dos títulos de longo prazo. Portanto, pode-se dizer que títulos normalmente serão um bom hedge em períodos inflacionários, mas a verdade é que tudo dependerá do futuro, e houve períodos em que bonds atuaram de forma terrível. Mais um gráfico:

Na figura acima temos a volatilidade comparada entre títulos e ações e seu yield ratio, que nada mais é que o rendimento dos títulos dividido pelo earning yield (lucro sobre preço) das empresas. Este indicador tornou-se popular após menção de Alan Greenspan (ex-presidente do Federal Reserve) no congresso americano em 1997, e é rotulado de "the Fed Model". Basicamente, o indicador é alto quando as ações estão caras em relação aos títulos e vice-versa.

Novamente, fica muito claro o comportamento instável dos ativos quando analisamos longos períodos de tempo. Na primeira metade do século, tivemos a volatilidade das ações cerca de 7 vezes maior que a dos títulos, enquanto na segunda metade este indicador mostrou-se bastante inconstante, especialmente no período de 1970-1980, onde a expectativa de inflação mudou drasticamente, como comentamos no primeiro gráfico, e fez com que os títulos ficassem tão voláteis quanto às ações.

Outro raciocínio interessante que pode-se inferir é que períodos com alto yield dos títulos tendem a levar o lucro das ações para baixo, já que ambos competem claramente o capital de investidores, de forma que títulos com altos yields podem diminuir o risk premium do mercado acionário, seduzindo investidores, já que também possuem perfil de risco mais brando.

Por fim, a conclusão que se tira é que, devido à fraca correlação e seus distintos perfis de risco, a combinação entre ambos ativos tende a ser favorável num horizonte de longo prazo. Também pode-se deduzir que, apesar de termos o yield ratio como um indicador interessante, é melhor que não se confie nele para análises de períodos mais longos, pois sua inconstância tende a ser uma constante. Isso, é claro, desde que não se conheça o futuro.

Stocks vs REIT's
Agora, voltamos a Richard Ferri, desta vez em artigo para a revista Fobes intitulado REITs and your portfolio. Como já anunciado, os REIT's (Real Estate Investment Trusts) são investimentos que podem variar entre imóveis físicos ou hipotecas. No artigo, Ferri foca nos primeiros. 

Imóveis são uma classe de ativo interessante, com perfil de risco completamente diferente das tradicionais ações e renda fixa. Os instrumentos que permitem sua compra (FII's, no Brasil) possuem uma volatilidade consideravelmente menor que o mercado acionário, apesar de serem lastreados em ativos físicos, geradores de fluxo de caixa, diferente da renda fixa que é lastreada em dívida. Conquanto os imóveis, pode-se assim dizer, possuem expectativa de crescimento real dos retornos bem próxima de zero, já que tendem a apenas acompanhar a inflação, é claro, desconsiderando possíveis bolhas, mercados subprecificados e ainda imóveis localizados em regiões pouco desenvolvidas. 

No artigo citado, Ferri defende a alocação de um percentual do portfólio neste tipo de investimento, e justifica mostrando alguns dados de correlação histórica e desempenho. Abaixo, está compilada a correlação histórica entre o CRSP Total Stock Market Index e o Dow Jones Select REIT Index, basicamente dois índices que buscam replicar o rendimento total do mercado acionário e da classe de REIT's citada mais acima. Vamos ver.



Vejam que interessante. Como pode-se observar, e já repetido nesta série, a correlação entre os ativos é propensa a variar com o tempo. Neste caso está muito claro, pois houve períodos em que o mercado de ações e de REIT's obtiveram forte correlação (acima de 0,5), e períodos onde esta não se apresentou com tanto vigor.

É importante sempre mencionar que a diversificação não exatamente blindará o portfólio contra crises, mas tende a atenuar os seus efeitos. Uma crise sistêmica de dimensões gigantescas pode derrubar o preço de tudo o que tem valor, mas nossa chance de apresentar melhores resultados é tanto maior quanto mais estivermos diversificados, e obviamente tanto maior quanto for a diferença entre os perfis de risco de nossos ativos. O que esta série procura evidenciar, definitivamente, é que o simples comportamento independente entre diferentes ativos, além de executar essa função primordial supracitada, inclina o portfólio a uma maior expectativa de retorno.

Ativos que apresentam baixa correlação, ou uma correlação que varia bastante ao longo do tempo, também sinalizam uma pequena interdependência, revelando perfis de risco distintos, como este exemplo entre REIT's e stocks. Ferri finaliza seu artigo apontando o melhor desempenho de um portfólio diversificado com 10% em REIT's sobre um portfólio apenas alocado no mercado acionário para o mesmo período de análise, como pode ser observado abaixo:


Novamente, a tal vantagem da diversificação pode ser observada, lembrando também que os imóveis possuem perfil de risco mais brando e podem diminuir consideravelmente a volatilidade da carteira. Como vimos no último artigo, um duplo benefício.

Naturalmente, surgirá o questionamento: por que dez por cento e não mais que dez em REIT's? Ferri não nos responde e, aliás, adianto que é uma questão estritamente pessoal, mas arrisco alguns argumentos: em primeiro lugar, a já mencionada tendência de crescimento dos lucros reais próxima a zero, o que contribui para a consequente menor expectativa de retorno em relação às ações. Em segundo, podemos citar que o aumento da exposição em imóveis aumentaria a exposição ao risco sistêmico da classe, o que, a depender do raciocínio, pode ser visto como uma vulnerabilidade. E por último, é prudente mencionar que a diversificação entre imóveis é menos efetiva que entre ações, ou seja, independente da finalidade do imóvel, esta classe tende a ter perfis de risco significativamente mais semelhantes, quando temos em vista as possibilidades do mercado acionário.

Para fechar, creio que esteja satisfatoriamente clara a eficácia da diversificação no desempenho de longo prazo de um portfólio. Seu papel envolve proteger-nos de nós mesmos, minorando drasticamente o risco de colapso da carteira, além de aumentar sua expectativa de retorno. De resto, ainda fica evidente o papel fundamental que a noção de correlação entre ativos desempenha ao investidor que tenciona realizar uma diversificação inteligente.

É isso, meus amigos. Acredito que tenha abordado de forma profunda os temas propostos, e espero que possa ter ajudado a aumentar a compreensão de um assunto que, indiscutivelmente, carece de material traduzido.

Na próxima semana o tradicional fechamento mensal, onde ensinarei aos senhores como saber isso tudo e ainda assim perder há dois anos para o portfólio ridículo do Ibovespa.

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Alocação, diversificação e correlação entre ativos - Parte 2

Pois bem. Passados sete dias, daremos sequência em nossa série de artigos sobre alocação, diversificação e correlação entre ativos. No artigo passado abordamos algumas pesquisas de Richard Ferri inspiradas em Harry Markowitz e arriscamos dizer que a diversificação, além de diminuir o desvio padrão da carteira, pode inclusive aumentar sua expectativa de retorno num horizonte de longo prazo. 

É claro que nem tudo são flores, e leitores mais atentos, por antecipação, apontaram algumas limitações de seu método. Nesta segunda parte elas serão abordadas. Mas antes, deixe-nos prosseguir aprofundando um pouco no conceito de correlação entre ativos, que certamente pode ser-nos bastante útil na construção de nosso portfólio.

Relembrando: a diversificação consiste na compra de diferentes tipos de ativos a fim de reduzir a chance de colapso de um portfólio. Isso envolve estimar os riscos e retornos esperados de diferentes categorias de investimento, observando como estas se comportam e correlacionam entre si. Podemos dizer que, devido ao comportamento inconstante dos ativos ao longo do tempo, estamos suscetíveis a ciclos com diferentes sequências de retorno que, por conseguinte, poderão influenciar bruscamente o retorno real de nosso portfólio. Como a expectativa de retorno de um determinado ativo varia com o tempo e é influenciada por fatores incertos, existe um risco real de um retorno futuro abaixo do esperado, podendo inclusive ser negativo. Até então, nenhuma novidade.


Porém, e justamente devido às pesquisas de Markowitz, foi possível ao investidor incorporar o raciocínio de, através da diversificação, atenuar os solavancos de sua carteira ao longo do tempo e consequentemente aumentar sua expectativa de retorno, ganhando um duplo benefício. Conquanto não seja banal a tarefa de localizá-los, como será abordado mais adiante, percebeu-se que ativos que se correlacionam negativamente tendem a aumentar o desempenho e melhorar o perfil de risco de um portfólio ao longo do tempo.


Vamos, como de praxe, verificar como a teoria funciona, ainda ancorados no livro de Ferri:


O gráfico acima representa o comportamento de portfólios binários de forma que a extensão das linhas representa diferentes percentuais de alocação entre os fundos A e B. Quatro tipos de correlação entre eles são simuladas, e a curvatura observada evidencia exatamente por que ativos tendem a aumentar a expectativa de retorno de um portfólio ao longo do tempo tanto mais quanto menos estão correlacionados.

Cada símbolo sequenciado nas linhas representa uma alocação 10 por cento superior do outro fundo. Quando observamos a curva gerada pela correlação de -0,5, é muito fácil perceber suas vantagens. Creio que aqui tenha ficado demasiado clara a importância da noção de buscar introduzir ativos com diferentes perfis de risco dentro da carteira. 

É possível observar, também, que não é necessário que ativos apresentem correlações estritamente negativas para diminuir a exposição ao risco —novamente, concebendo-se desvio padrão como risco— e aumentar a expectativa de retorno de um portfólio no longo prazo. Para tanto, basta que não sejam fortemente correlacionados.

Mas agora chegamos ao primeiro problema: encontramos dois ativos com comportamentos distintos no passado, qual a garantia que temos de que se comportarão da mesma forma no futuro? Como devem imaginar, nenhuma. A correlação entre os ativos não é estática, e os benefícios proporcionados pela diversificação variam sua intensidade ao longo do tempo. 

Abaixo o comportamento retrospectivo de portfólios com diferentes alocações entre treasury notes e o S&P 500:


Como podemos observar, o benefício se manifestou na maioria dos casos, porém tivemos duas décadas com equity premium negativo, sendo que em uma delas este benefício não pode ser observado. É possível chegar a conclusão que, quanto mais longo o horizonte de investimento, maior a chance de que a diversificação seja vantajosa, e portanto ela está claramente recomendada para o investidor que entenda seus riscos e suas limitações. Porém, outra coisa também é certa: ao longo do tempo, até a alocação mais inteligente irá apresentar períodos de rendimento abaixo do esperado.

Sendo assim, e após compreender os benefícios das extensas pesquisas de Harry Markowitz, vamos às demais possíveis limitações de seu modelo que, obviamente, já está um tanto ultrapassado —o que não é nenhum demérito.

Primeiramente, a análise de retornos anualizados abordada neste artigo falha pela distorção que o gráfico apresenta quando analisamos períodos mais extensos. Essa assimetria está muito bem representada no livro do Jeremy Siegel, e evidencia que, quanto maior o tempo analisado, menor o desvio padrão do mercado acionário.

Em segundo lugar, temos novamente a ilustre volatilidade —representada pelo desvio padrão—, que num horizonte de longo prazo pode não representar de forma eficiente o risco, além de existirem tipos diferentes de volatilidade, sendo que em alguns casos, como em commodities, ela pode não representar um aumento na expectativa de retorno de um ativo, enquanto em outros, como a gerada pela falta de liquidez, possuímos evidências de que gera um prêmio a ser pago ao investidor no longo prazo. Sumariamente, podemos dizer que o risco sistêmico é diferente e mais perigoso que o risco não sistêmico (diversificável). Ainda temos o problema de que o desvio padrão não faz a distinção entre subidas e descidas, fazendo parecer mais arriscado um hipotético ativo que só sobe, e sobe muito. De qualquer forma, este é um assunto à parte, também já abordado neste blog e que seguramente será tema para artigos futuros.

Ainda um problema adicional no método é o fato de ter inputs calculados através de médias aritméticas, quando sabemos que médias geométricas são parâmetros mais eficientes sempre que trabalhamos com juros compostos e visamos longos períodos de tempo. Exemplificando: enquanto, por exemplo, a média aritmética de uma sequência de retorno de +50% e -50% é 0%, a média geométrica (ou retorno médio composto) é -13%; uma diferença bastante significativa. (Se não sabe, ou tem curiosidade em saber a diferença nos cálculos, veja a nota no final deste artigo.)

Pois é... creio que posso ter chegado a convencer alguns que, visto suas debilidades, pouco nos servem as pesquisas de Markowitz. Mas não se enganem: temos de ter muito, mas muito cuidado para não dizer que suas teorias não servem para nada. Markowitz foi pioneiro, e grande parte dos estudos que temos hoje derivam de seus primeiros modelos. Todo pioneiro, hora ou outra, soará arcaico, ultrapassado. Mas a noção de correlação entre ativos é fundamental para um investidor que não quer perder todo seu ganho acumulado na primeira crise do mercado, e só foi possível após os primeiros estudos de Markowitz.

Novamente, julgo-me insatisfeito ao terminar este artigo, e portanto esta série terá mais uma parte, onde veremos o comportamento do mercado acionário americano ao longo do tempo e sua correlação com REIT's e bonds, buscando raciocinar sobre uma fronteira de alocação eficiente. 

Não, meus amigos, não tenho ereções ao escrever sobre o assunto. É este que insiste em apresentar-se demasiado extenso...

_______________________________________________________________
Nota:
- Conforme anunciado, abaixo o método de cálculo para as médias aritméticas e geométricas de uma sequência de retorno de 50% e -50%:
MA = (0,50 + (-0,50))/2 = 0%
MG = ((1 + 0,5)*(1 - 0,5))^(1/n) = 0,866, ou 87%, sendo n o número de períodos, neste caso 2. Este resultado quer dizer que, para este exemplo, o portfólio se reduziria a uma taxa anual de -13%.

segunda-feira, 10 de julho de 2017

Alocação, diversificação e correlação entre ativos - Parte 1

A alocação de ativos seja talvez a decisão fundamental do investidor. Através dela que a exposição ao risco e o consequente retorno esperado de um portfólio poderão ser definidos. Seja a alocação entre diferentes classes de ativos ou entre ativos de uma mesma classe, o nível de concentração do investidor é que determinará o impacto das oscilações do mercado em seu patrimônio. Existem estudos que concluem que uma parcela superior a 90% do retorno de longo prazo e nível de risco de um portfólio é determinada através da alocação de ativos, portanto, não seremos incautos a ponto de ignorá-la.

Antes, uma justificativa: tive de mudar o plano inicial ao escrever este artigo, pois o tema é extremamente extenso. Meu objetivo era abordar brevemente o porquê de se estudar alocação de ativos, os benefícios da diversificação e finalmente chegar ao impacto que diferentes correlações entre ativos podem gerar num portfólio, para mim a grande contribuição da Modern Portfolio Theory no estudo dos investimentos. Por fim, acabei tendo de reduzir a abordagem deste último tema e postergando o estudo que gostaria de apresentar ao final, aplicando os conceitos no mercado brasileiro. Resumindo: desliguei o notebook e fui tomar minha cerveja.

Pois bem. Para entender sobre alocação de ativos, temos de entender sobre risco. Risco, numa concepção mais simples e abrangente, pode ser definido como a possibilidade de perda de dinheiro quando realizamos um investimento. Este risco, cabe ressaltar, não pode ser eliminado, apenas parcialmente reduzido através de uma estratégia de alocação de ativos.

Alocar ativos, portanto, é sumariamente a estratégia que visa a redução do risco, e para que seja efetiva cada investimento dentro de um portfólio deve ser diferente e com características específicas de risco. 

Richard Ferri, em seu All about asset allocation, traz à tona o assunto, e através de inúmeros exemplos, mostra-nos que, definitivamente, este é um tema que não pode ser ignorado. 

Em primeiro lugar, precisamos entender o impacto que diferentes sequências de retorno podem gerar em nosso desempenho final. Para isto, vejamos a tabela abaixo:

A tabela basicamente nos mostra o desempenho de diferentes portfólios durante um prazo de dois anos, com retornos médios de 5% e aplicações iniciais de $ 10 mil. Percebam que, a depender de como a sequência de retorno ocorre, o valor final do portfólio se altera, conquanto a média seja a mesma. Podemos concluir também, através de um raciocínio simples, que para uma mesma média de retorno, desvios padrões inferiores são preferíveis. Ferri —como todo defensor da MPT— também nos induz a raciocinar que a volatilidade, conceitualmente, é maléfica ao desempenho de longo prazo de um portfólio, por conseguinte deve ser reduzida tanto quanto possível. Mas isso é outra conversa e já abordei em outras ocasiões aqui no blog. Seguimos no raciocínio.

Se desvios padrões maiores podem fazer-nos padecer caso uma forte baixa se incida sobre um valor maior de portfólio, temos de precaver-nos para que, quando aconteça, tenhamos ativos que performem de maneira diferente e reduzam o impacto total da retração. Por isso, não se recomenda o investimento em apenas uma classe de ativo. Harry Markowitz, através de suas pesquisas em meados do século passado, foi além, e percebeu que para toda combinação entre dois ou mais ativos, existe uma alocação ótima na relação risco-retorno, denominada por ele de efficient frontier. Vejamos o funcionamento disso na prática:



O gráfico acima apresenta a relação entre o retorno de determinado portfólio dividido entre dois investimentos com perfis diferentes, de forma que o eixo representa o retorno anualizado e o eixo x o desvio padrão. Percebam que o investimento 1 possui um baixo desvio padrão, juntamente de um baixo retorno; já o investimento 2 o contrário. Ao longo da curva pode-se observar os diferentes perfis de risco-retorno —considerando o desvio padrão como risco— através de diferentes alocações.

Segundo a abordagem da MPT, o objetivo de todo investidor deve ser aproximar-se o máximo possível do segundo quadrante, ou seja, alcançando o máximo retorno e mínimo desvio padrão possível. O que até então não se sabia é que, para a grande maioria das combinações possíveis, existe um percentual de alocação em que, ao mesmo tempo que aumenta-se o retorno, diminui-se o risco. No caso acima, observem que, ao adicionar 20% do investimento 2 a um portfólio 100% alocado no investimento 1, o retorno se eleva, porém o desvio padrão continua idêntico. Os acadêmicos dizem que este é um dos únicos free lunchs que encontramos no mercado, concluindo que esta é uma clara vantagem proporcionada pela MPT. Mais um gráfico:



Agora fica mais claro. Devido ao fato de que as diferentes sequências de retorno —e diferentes desvios padrões— no longo prazo farão com que o valor final do portfólio não seja o mesmo previsto por uma média simples de retorno esperado, existe uma clara vantagem em se combinar ativos com diferentes perfis de risco. O gráfico acima mostra que, diferente do que um leigo poderia suspeitar, a relação risco-retorno não é linear.

Bom, até agora observamos a relação entre apenas dois ativos diferentes. Mas e quando adicionamos outras classes, o que acontece? Ferri se ocupa do assunto, e mostra-nos que novamente pode ser verificada uma vantagem de um portfólio diversificado em relação a um portfólio binário. Observem abaixo:


No gráfico acima são comparados dois portfólios: o primeiro, diversificado entre treasury notes, que são títulos de dívida emitidos pelo governo americano com prazos intermediários (entre 1 e 10 anos), e o índice S&P 500; enquanto ao segundo portfólio são adicionadas ações estrangeiras e títulos de dívida corporativos. Ao longo da curva estão definidos os respectivos retornos anualizados e desvios padrões para alocações distintas. Novamente, se observa uma vantagem devido ao fato de que, para desvios padrões idênticos, é possível alcançar um retorno superior apenas através de uma alocação diferente, ou mais diversificada.

Portanto, resta evidente que a diversificação, além de cumprir a função de diminuir a chance do colapso de um portfólio, pode ser interessante inclusive no prisma dos retornos esperados. A verdade é que em horizontes de longo prazo, ativos específicos tendem a performar de forma muito inconstante e, como o valor de nosso portfólio não será —pelo menos assim esperamos— o mesmo ao longo do tempo, temos de ser cautelosos em submeter-nos ao risco de estarmos extremamente concentrados em um ativo exatamente no momento em que este apresenta uma sequência de retorno abaixo do esperado. É claro que não é possível prever exatamente quando o retorno se mostrará na parte inferior da média, mas a diversificação atenua este impacto.

Por fim, surgirão as perguntas: "e como saber qual ativo tende a aumentar o retorno esperado da carteira?", ou, para o leitor mais cético: "e onde este modelo falha?" Mas isso é tema para a próxima parte, porquanto creio que, por hora, alonguei-me o suficiente...

domingo, 9 de julho de 2017

Novo endereço

Apenas para formalizar, o blog muda de endereço.

O novo nome, Mercado insensato, dispensa comentários, já que sabemos que o comportamento do mercado naturalmente replica a história —ou seu exato contrário.

As mudanças serão de caráter apenas estético, e essencialmente continuamos da mesma forma.

Peço que atualizem suas respectivas listas de leitura e tenham paciência com possíveis problemas de linkagem, redirecionamento, aviso de novos posts por e-mail e demais funções que teoricamente teriam de estar funcionando. Qualquer problema, gentileza informar.

Terça-feira teremos nova postagem.

terça-feira, 4 de julho de 2017

Fechamento - Junho/2017: R$ 91.706,58 (+R$ 3.384,39 ou +4%)

Mais um mês de blog, e mais um fechamento mensal. O resultado, razoável. Nada preocupante, mas nada que nos encha os olhos.

Vamos aos números, seguidos dos comentários:

1- Evolução patrimonial
O patrimônio novamente cresceu, superando ainda mais a projeção para este mês. Como dito anteriormente, esta projeção não é exatamente a meta, e acho importante mantê-la de forma que, no futuro, seja possível quantificar em quantos anos superei (ou atrasei) minha independência financeira em relação ao primeiro plano executado. Como meta, utilizo os aportes, e renovo-a anualmente.

R$ 91 mil... já é alguma coisa.

2- Comparativo de rentabilidades

A rentabilidade apresentou-se modestamente positiva, novamente acima do Ibovespa e praticamente empatada com o CDI. Acredito que o portfólio esteja bem preparado para qualquer tipo de cenário, o que me deixa bastante tranquilo. Os números fecharam da seguinte maneira:

Rentabilidade mensal: 0,88%
Rentabilidade anual: 16,40%
Rentabilidade histórica: 25,97%

3- Aportes mensais
Quanto aos aportes, mais um mês acima da meta mensal, o que traz confiança para o restante do ano, já que a média atual mantém-se significativamente acima do objetivo.

Incrivelmente, escrever para o blog tem aprazido bastante. Enquanto bato estas linhas, em meio ao silêncio, reflito sobre minha estratégia e minhas leituras. Este momento tem sido um poço de serenidade em meio ao caos da rotina, que cada vez mais me desgasta. Diria —que Deus tampe os ouvidos— que trocaria facilmente meu emprego por uma rotina estudando e escrevendo sobre investimentos (imaginem-me contratado pelo Infomoney para escrever uma coluna do tipo "A voz fundamentalista", rs. Deus me livre!).

No mais, um célere resumo:

Continuo desconfortável com as atuais margens de segurança para entrada nos ativos. Tendo em vista que possuo uma carteira excessivamente concentrada em small-value caps (que não estão tão value assim com estes preços), grande parte do aporte novamente foi direcionada à minha reserva em liquidez.

No próximo mês, tendo a entrar em uma nova companhia de perfil mid-blend, ainda a ser definida. Duas excelentes empresas, que sempre acompanhei, finalmente se apresentaram próximas ao preço justo, e tendo em vista a falta de opções atrativas, creio que seja uma boa oportunidade, já que não faço market timing e comprarei ações independente do cenário. Nos próximos meses, também devo finalmente iniciar minha exposição em fundos imobiliários afim de diversificar o portfólio, diminuindo seu desvio padrão e adicionando mais uma diferente possibilidade de correlação entre os ativos componentes.

A verdade é que o patrimônio vai aumentando —juntamente da idade—, e nosso perfil de risco tende a se alterar. Temos cada vez mais a perder, e cada vez menos por que nos arriscar.

Desta feita, o ideal para a carteira seria um ETF de baixíssimo custo, passivo e que replicasse o IFIX. Como ele não existe, inclino-me, levemente contrariado, ao fundo Fator IFIX (FIXX11). A alocação desejada para esta classe de ativo está entre 3% a 5% da carteira, e creio que qualquer coisa que busque replicar o índice cumprirá de forma eficiente o papel desejado para esta classe no portfólio. 

Com uma exposição de 10% a 15% em renda fixa e o restante em ações, sendo destas 15% a 20% atreladas ao mercado americano (e ao dólar) através do ETF IVVB11, completamos os targets para os próximos meses. Sinto-me bastante confortável com esta alocação.

Então, senhores, por hoje é só. Desejo um ótimo mês de julho a todos!

terça-feira, 27 de junho de 2017

O problema do cálculo de risco

Já manifestei em outras oportunidades meu incômodo com as metodologias de cálculo do risco de um ativo, mais precisamente com o beta. Desta vez serei mais específico.

O beta, para quem não conhece, é um coeficiente de risco que surgiu no modelo Capital Asset Pricing Model, e matematicamente representa a covariância de uma ação —ou portfólio— em relação a um benchmarking qualquer. O meu problema com o beta é simples: não considero oscilação um risco. Porém, por mais que esta fragilidade já tenha sido apontada, o beta continua a ser o medidor mais amplamente utilizado na análise de um ativo, por simplesmente não possuirmos outra opção. Mas a fraqueza do cálculo de risco não se resume ao beta.

O cálculo de risco é problemático por procurar estabelecer um comportamento futuro baseado no comportamento passado de um ativo. E por definição, sempre que tentarmos prever o futuro, estaremos reféns da incerteza —em alguns casos mais, em outros menos. —Este fato, por si só, já invalida praticamente todos os estudos das finanças modernas, que simplesmente a ignoram, ou fazem cálculos e mais cálculos em cima de uma variável inicial estimada, que não abriga espaço para erro. 

Essa mistura de inocência com vontade incontrolável de sistematizar o desconhecido é o que fez com que inúmeras teorias fossem criadas afim de explicar —e predizer— o comportamento dos mercados. Nassim Nicholas Taleb, um autor verdadeiramente diletante, dedica sua obra para explicar-nos o que deveria ser óbvio: nós não podemos prever o futuro.

Segundo Taleb, aquele que raciocina pensando dominar todas as variáveis —e geralmente não possui senso de humor— é um fragilista. Um fragilista é aquele gestor que performa cinco anos acima do mercado e, findo o sexto, procura um emprego de dentista. É alguém que, inocentemente, opera alavancado por achar que a correlação de -1 entre seus ativos lhe garante proteção.

Sempre que não deixamos margens para um evento inesperado, ou que projetamos o futuro baseado no passado, estaremos frágeis. Matematicamente falando, isso quer dizer que não podemos considerar que algo não irá acontecer, apenas porque não tenha acontecido anteriormente. Ou seja: a probabilidade estimada de nada, e absolutamente nada, pode ser zero, pois estimativas requerem uma margem de erro. Taleb denomina essa situação de inverse turkey problem.

O turkey problem (como ficaria ridícula essa tradução...) acontece quando um peru acredita que, por alimentá-lo muito bem diariamente por vários meses, o açougueiro é seu amigo, quer o seu bem. E um belo dia, subitamente, ao invés da comida, vem o facão. Já o inverse turkey problem ocorre quando ignoramos oportunidades apenas por sua baixíssima probabilidade; é quando dizemos que alguém que pesquisa a cura de algo ou escava buscando por ouro ou petróleo jamais encontrará nada. Graficamente, é o que podemos observar abaixo:



O gráfico é autoexplicativo. No eixo y temos a probabilidade, e no x os retornos. Neste caso, temos uma enorme probabilidade de retornos dentro de uma pequena faixa do eixo x, e uma pequena probabilidade de retornos fora do padrão. Este gráfico é exatamente uma distribuição gaussiana com uma cauda lateral mais longa, ou seja, com a possibilidade do imprevisível, do extraordinário, colocada no papel. E é claro que seu formato está sujeito a incertezas, acho até desnecessário dizer.

A assimetria entre o projetado e o real
Demos essa bela volta para chegar onde queria: na assimetria entre as nossas projeções e o cenário que efetivamente se materializa. Não tem jeito: sempre que estimamos uma variável sem margem de erro, iremos falhar. E isso se aplica a praticamente qualquer método de análise de ativo existente. Taleb, em seu livro Antifragile: things that gains from disorder, mostra essa discrepância usando como base planejamentos governamentais. Novamente, deixemos o gráfico falar, depois comentamos:



O primeiro gráfico mostra a distribuição da probabilidade dos custos de um orçamento na cabeça dos planejadores do governo, e o segundo a realidade, considerando um cenário pior e mais volátil, com maior probabilidade de eventos desfavoráveis. 

Essa assimetria é exatamente a que observamos em qualquer modelo onde é assumido que um parâmetro é constante, quando na verdade é variável. Infelizmente, isso inclui toda a teoria moderna das finanças. Percebam que todos os modelos de precificação ou análise de risco existentes possuem ao menos uma variável estimada, que depende da expectativa, do instinto e da avaliação pessoal do analista. Observação importante: chamo-a de variável, pois seu valor irá variar a depender de quem analisa, mas para efeito de cálculos será uma constante, e é aqui onde reside todo o problema, pois sempre, em qualquer modelo, é desta variável que depende a eficácia da análise. É uma pena que, também sempre, essa estimativa falhará.

A Modern Portfolio Theory, de Markowitz, por exemplo, que é base para praticamente tudo que foi desenvolvido depois, exige que sejam estimadas as variáveis E (expectativa de retorno) e V (variância). A primeira envolve um julgamento dificílimo, e a segunda normalmente é calculada.

Ambos parâmetros estão, sem dúvida, sujeitos a uma infinidade de fatores que não podem ser colocados no papel, por isso são instáveis e incertos. Um modelo que os considera constantes irá, hora ou outra, colapsar, pois não deixa espaço para eventos inesperados —que também, hora ou outra, irão acontecer.— Em outras palavras, o retorno esperado resultante do modelo de Markowitz é absolutamente frágil, invariavelmente frágil

Finalizo
É muito complicado trabalhar com o risco quando não sabemos as variáveis que atuarão no futuro. Antes que seja acusado, não estou dizendo a vocês que as finanças modernas não valham de nada: existem casos, e muitos casos, onde elas podem servir-nos bastante. Estimativas, se usadas com inteligência, podem enriquecer nossa linha de raciocínio, e não são raras situações onde, sem estimativas, simplesmente não conseguimos sair do lugar.

Porém, e novamente apoiando-me em Taleb, nós precisamos aceitar a atuação da assimetria no conhecimento: existem muitas situações onde a análise estatística e as estimativas podem ser-nos úteis, só não podemos deixar que nossas economias —ou nossas vidas— dependam exclusivamente delas.

terça-feira, 20 de junho de 2017

A sorte, o ego e o cérebro

Tenho convivido nos últimos meses com um analista técnico que, aliás, já serviu-me de inspiração para outros artigos. Vamos a mais um deles. Este amigo, se assim posso chamá-lo, vem obtido um retorno bastante expressivo desde que começou a operar, lá para dezembro de 2015, e está convencido de que seu setup é matematicamente favorável, ou seja, que no longo prazo irá invariavelmente obter retornos positivos.

Como podem imaginar, em uma de nossas conversas tentei apenas levantar a hipótese de que talvez ele tenha operado em um ciclo extremamente favorável no mercado, e que talvez o período seja ainda muito curto para qualquer conclusão, por isso, a cautela se faz necessária. É claro que a reação foi péssima.

Mas aqui temos um contratempo que não se restringe apenas à analistas técnicos, apesar de que neste caso é muito mais comum: nós simplesmente não conseguimos atribuir nosso sucesso à sorte.

E isso se torna um problema a partir do momento em que começamos a realmente sentir confiança em nossas habilidades e portanto arriscar-nos cada vez mais. Nos iludimos que possuímos o controle das variáveis, quando subitamente a realidade nos atropela. O ego, aqui, é um inimigo cruel. Mas não o único, e nem o pior: nosso cérebro, esse sim, é o que mais pode nos prejudicar quando investimos.

O cérebro humano odeia, detesta aquilo que não pode explicar. Nossa necessidade incontrolável de relacionar causa e efeito é um tema que já tirou o sono de muitos escritores e filósofos, e nos investimentos não poderia ser diferente. Por que temos de ter resposta para tudo?

Jason Zweig, muito conhecido por ter escrito as apresentações aos capítulos do livro The intelligent investor, de Graham, nos ilumina com essa negação curiosa, e nos ajuda a entender o porquê de instintivamente não aceitarmos o desconhecido. Em seu livro Your money and your brain: how the new science of neuroeconomics can help make you rich, ele demonstra através de uma infinidade de dados e pesquisas que, no lidar com o dinheiro, nosso cérebro ajuda-nos bem menos que pensamos.

Em primeiro lugar, Zweig mostra-nos que o cérebro humano é uma máquina de identificação de padrões. Fato conhecido, para quem já estudou algo de psicologia. E isso implica que, quando vemos algo acontecer duas vezes, instintivamente raciocinamos que haverá uma terceira e é gerada em nós uma sensação de expectativa. Por isso sempre, e invariavelmente sempre, tenderemos a prever os movimentos do mercado.

Vamos piorar um pouquinho a situação: essa necessidade é inconsciente, o que quer dizer que mesmo que estejamos frente a modelos complexos e análises sofisticadas, continuaremos a buscar por padrões; é automática, portanto mesmo que diante da pura aleatoriedade, insistiremos nessa busca, pois é assim que nosso cérebro funciona; e é incontrolável, portanto nós simplesmente não conseguimos desligar este processo, ou fazê-lo ir embora.

Desta feita, é forçoso concluir que muito provavelmente a melhor de nossas análises talvez esteja sendo distorcida, fantasiada pelo nosso próprio cérebro e que talvez nossas conclusões estejam refletindo apenas —ou em parte— nossa expectativa. Mas sabem o que é o pior de tudo? Que se ganharmos dinheiro, nosso mecanismo de recompensas reage, e nosso cérebro automaticamente atribui o sucesso à nossa análise "correta".

É assim mesmo, meus amigos: quando acertamos, é porque somos bons; quando erramos, foi o azar, um fato inesperado ou algo do tipo.

A verdade incômoda é: ao investir, lidamos com uma infinidade de fatores que simplesmente não são passíveis de análise, portanto, nossas conclusões estarão sempre sujeitas à falhas. E isso quer dizer que obrigatoriamente nosso sucesso terá uma parcela de sorte que pode ser inclusive muito maior que a de nossa habilidade. Desmerecê-la, diminuí-la ou ignorá-la só fará com que fiquemos ainda mais vulneráveis.


O que tenho concluído após estes anos estudando o mercado é que o acerto fundamental de um investidor é tão somente evitar erros crassos, e que todo e qualquer tipo de método de análise é limitado, simples assim. Tenho batido insistentemente nessa tecla, pois já vi empresas excelentes piorarem e métodos estatísticos complexos falharem grosseiramente. Portanto, continuo defendendo que uma gestão de risco inteligente deve ser o alicerce para a construção de um portfólio. O método de avaliação deve ficar apenas em segundo plano.

E assim concluo: não existe, para nós investidores, postura inteligente que não parta da humildade. Temos um instinto feroz atuando dentro de nós nos encorajando e buscando sentido onde pode não haver. Nossas estimativas normalmente são mais imprecisas do que pensamos, e por isso pode sair bem mais barato ter mais dúvidas que certezas quando lidamos com o mercado de capitais.

terça-feira, 13 de junho de 2017

A margem e as vantagens competitivas

Hoje coloco em pauta um conceito complexo que por vezes acaba sendo banalizado na análise de empresas: a margem. Não é raro ver investidores concluindo que margens mais altas significam vantagens competitivas quando se tratam de empresas do mesmo setor. Quem estudou um pouco sobre administração de negócios, mesmo que em livros simples, como A estratégia do oceano azul, sabe que o buraco é mais embaixo. O foco das empresas pode ser completamente diferente, fazendo com que não haja competição direta entre elas. Sendo assim, abordarei alguns pontos que normalmente ficam invisíveis quando analisamos apenas tabelas, e tentarei mostrar que o conceito de margem não é tão simples quanto parece. Margem, nesta abordagem, se refere à relação entre lucro e receita.

Primeiramente, vamos entender o porquê de se dizer que a margem mais alta é uma vantagem competitiva. Imaginemos um cenário hipotético onde duas concorrentes vendem um mesmo produto a R$ 10, de forma que a primeira possui uma margem de 10% e a segunda de 20%. Neste cenário, caso a segunda abaixe o preço do produto em 15%, ainda auferirá lucro, caso as vendas —e os custos— se mantenham estáveis; já a primeira irá operar em prejuízo. Isso é uma vantagem competitiva pois, em última análise, apenas uma das duas sobreviveria, o que dá à sobrevivente uma maior resiliência em situações de crise, além de dotá-la da possibilidade de diminuir o valor do produto afim de quebrar a concorrente e ganhar portanto um volume maior de vendas.

Porém, percebam que o cenário acima só é válido quando comparamos concorrentes diretas, que disputam exatamente o mesmo mercado. E a análise de mercado não é resumível em forma de tabela. Por isso a importância de se ter uma noção de administração de empresas. Um executivo não erraria este conceito: uma margem mais alta só é vantagem competitiva caso estejamos comparando empresas que vendem o mesmo produto, em uma mesma região, a uma mesma faixa de preço. Isso quer dizer que:

1) Uma empresa varejista que vende sapatos obviamente não terá nenhuma vantagem competitiva em relação a uma empresa varejista que vende eletrodomésticos.

2) Uma empresa que venda cocos na Bahia obviamente não compete, e portanto não tem vantagem competitiva alguma sobre uma empresa que venda cocos em Porto Alegre.

3) Mesmo se tratando de um mesmo produto em uma mesma região, um fabricante de vinhos chapinha absolutamente não competirá com um Henri Jayer.

E isso acaba sendo um problema para os investidores, porque os setores e segmentos definidos em nosso mercado acabam misturando empresas razoavelmente diferentes, o que obriga-nos a ter cuidado dobrado quando as comparamos.

Varejo: lugar para confusões clássicas
O setor de varejo talvez seja o exemplo mais claro de como a análise da margem pode estar sujeita à imprecisões e falhas. Uma empresa pode vender roupas, sapatos, toalhas de mesa, móveis, roupas de cama, eletrodomésticos, eletrônicos e mais uma infinidade de produtos que ainda cairá em varejo. Mas um ponto adicional no varejo brasileiro é que a melhor empresa do setor tem uma margem não muito alta, e isso acaba sendo o arcabouço para raciocínios pitorescos. Vamos a um deles.

Recentemente vi um investidor bastante conhecido dizer que a Grazziotin (empresa muito boa) tem vantagem competitiva sobre a Lojas Renner, pois possui uma margem líquida média em torno de 16%, enquanto a Renner fica apenas em torno de 9,5%. Quem conhece o setor sabe: a Renner é indiscutivelmente o benchmarking, e isso significa que ela é o modelo ótimo de gestão, o parâmetro de eficiência. E quando dizemos que qualquer empresa tenha alguma vantagem em relação ao benchmarking, temos de pensar novamente, pois podemos estar caindo em um engodo. Como isso aqui não é análise de botequim, vejamos alguns dados que mais geram dúvidas do que certezas no investidor.

A Grazziotin, em primeiro lugar, é uma empresa que tem sua atuação restrita aos estados do Rio Grande do Sul (majoritariamente), Paraná e Santa Catarina. E abaixo está a distribuição das lojas da Renner, em uma foto retirada do seu último balanço anual:




Como está claro, a Renner atua em todos os estados brasileiros, e isso talvez seja uma baita vantagem competitiva, não é mesmo? Imaginemos uma crise generalizada no sul do país: quem se sairá melhor? A pergunta é meramente retórica.

Ainda poderíamos citar o portfólio da Grazziotin, que atualmente está mais focado nas lojas Pormenos, que concorreria com a Camicado, que definitivamente não é o maior foco da Renner. Mas aqui cabe muita discussão, vamos apenas aos dados mais exorbitantes. Abaixo está um gráfico comparativo entre a receita líquida das duas empresas nos últimos 10 anos:

A Renner, atualmente, possui uma receita de cerca de 17 vezes a da Grazziotin. Agora ficou muito mais claro, não acham? Dizer que a Grazziotin possui uma vantagem competitiva sobre a Renner é simplesmente um absurdo. Por isso, temos de ter muito cuidado quando comparamos empresas de tamanhos tão diferentes.

Outro exemplo clássico
No setor de petróleo, óleo e gás, temos a formidável Ultrapar como um exemplo também emblemático: historicamente, a empresa trabalha com margens líquidas baixíssimas (cerca de 2,0%), e dá espaço para o mesmo tipo de situação descrito acima. A verdade é que neste setor não encontramos facilmente empresas com regularidade dos lucros, e a maioria inclusive tem operado com prejuízos, mas facilmente um bom resultado faria com que uma concorrente ultrapassasse a margem da Ultrapar. Seria uma vantagem competitiva? Vamos lá, meus amigos, temos de ser mais inteligentes que tabelas. Um resultado atípico pode distorcer completamente a análise dos indicadores de uma empresa, e com a margem não é diferente. Por isso, o histórico tem de ser levado em consideração.

A Ultrapar é uma empresa que opera com uma estrutura de custos baixíssima em relação às suas concorrentes, tem um foco de atuação diversificado e um modelo de negócio muito forte. Sua administração é agressiva e sabe como poucas converter receita em lucro. Por isso ela é o benchmarking, e como já mencionado acima, o cuidado deve ser dobrado quando comparamos uma empresa com um benchmarking

Fechando a conversa
Analisar a margem é um problema muito frequente quando falamos de empresas brasileiras, pois o nosso mercado é ridiculamente pequeno e a verdade é que a divisão de setores e segmentos feitas pela Bovespa engloba empresas bastantes diferentes.

O ideal seria apenas compararmos diretamente empresas de tamanhos parecidos e com focos de atuação parecidos, mas isso muitas vezes não é possível e em inúmeros casos as concorrentes diretas das empresas que analisamos são de capital fechado, ou seja, não temos acesso aos seus números. Isso dificulta bastante nossa visão sobre o mercado e atrapalha nossas projeções para o futuro da a empresa, além de obrigar-nos em muitos casos ter de confrontá-la com empresas bastante diferentes. Por fim, em muitas comparações acabamos por concluir que a margem simplesmente não pode ser adotada como um parâmetro.

"Mas e aí, então qual deve ser o parâmetro?"

Esse é o problema, meus caros, algumas vezes simplesmente não temos parâmetro. E aí, vocês podem lidar com isso?