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terça-feira, 27 de junho de 2017

O problema do cálculo de risco

Já manifestei em outras oportunidades meu incômodo com as metodologias de cálculo do risco de um ativo, mais precisamente com o beta. Desta vez serei mais específico.

O beta, para quem não conhece, é um coeficiente de risco que surgiu no modelo Capital Asset Pricing Model, e matematicamente representa a covariância de uma ação —ou portfólio— em relação a um benchmarking qualquer. O meu problema com o beta é simples: não considero oscilação um risco. Porém, por mais que esta fragilidade já tenha sido apontada, o beta continua a ser o medidor mais amplamente utilizado na análise de um ativo, por simplesmente não possuirmos outra opção. Mas a fraqueza do cálculo de risco não se resume ao beta.

O cálculo de risco é problemático por procurar estabelecer um comportamento futuro baseado no comportamento passado de um ativo. E por definição, sempre que tentarmos prever o futuro, estaremos reféns da incerteza —em alguns casos mais, em outros menos. —Este fato, por si só, já invalida praticamente todos os estudos das finanças modernas, que simplesmente a ignoram, ou fazem cálculos e mais cálculos em cima de uma variável inicial estimada, que não abriga espaço para erro. 

Essa mistura de inocência com vontade incontrolável de sistematizar o desconhecido é o que fez com que inúmeras teorias fossem criadas afim de explicar —e predizer— o comportamento dos mercados. Nassim Nicholas Taleb, um autor verdadeiramente diletante, dedica sua obra para explicar-nos o que deveria ser óbvio: nós não podemos prever o futuro.

Segundo Taleb, aquele que raciocina pensando dominar todas as variáveis —e geralmente não possui senso de humor— é um fragilista. Um fragilista é aquele gestor que performa cinco anos acima do mercado e, findo o sexto, procura um emprego de dentista. É alguém que, inocentemente, opera alavancado por achar que a correlação de -1 entre seus ativos lhe garante proteção.

Sempre que não deixamos margens para um evento inesperado, ou que projetamos o futuro baseado no passado, estaremos frágeis. Matematicamente falando, isso quer dizer que não podemos considerar que algo não irá acontecer, apenas porque não tenha acontecido anteriormente. Ou seja: a probabilidade estimada de nada, e absolutamente nada, pode ser zero, pois estimativas requerem uma margem de erro. Taleb denomina essa situação de inverse turkey problem.

O turkey problem (como ficaria ridícula essa tradução...) acontece quando um peru acredita que, por alimentá-lo muito bem diariamente por vários meses, o açougueiro é seu amigo, quer o seu bem. E um belo dia, subitamente, ao invés da comida, vem o facão. Já o inverse turkey problem ocorre quando ignoramos oportunidades apenas por sua baixíssima probabilidade; é quando dizemos que alguém que pesquisa a cura de algo ou escava buscando por ouro ou petróleo jamais encontrará nada. Graficamente, é o que podemos observar abaixo:



O gráfico é autoexplicativo. No eixo y temos a probabilidade, e no x os retornos. Neste caso, temos uma enorme probabilidade de retornos dentro de uma pequena faixa do eixo x, e uma pequena probabilidade de retornos fora do padrão. Este gráfico é exatamente uma distribuição gaussiana com uma cauda lateral mais longa, ou seja, com a possibilidade do imprevisível, do extraordinário, colocada no papel. E é claro que seu formato está sujeito a incertezas, acho até desnecessário dizer.

A assimetria entre o projetado e o real
Demos essa bela volta para chegar onde queria: na assimetria entre as nossas projeções e o cenário que efetivamente se materializa. Não tem jeito: sempre que estimamos uma variável sem margem de erro, iremos falhar. E isso se aplica a praticamente qualquer método de análise de ativo existente. Taleb, em seu livro Antifragile: things that gains from disorder, mostra essa discrepância usando como base planejamentos governamentais. Novamente, deixemos o gráfico falar, depois comentamos:



O primeiro gráfico mostra a distribuição da probabilidade dos custos de um orçamento na cabeça dos planejadores do governo, e o segundo a realidade, considerando um cenário pior e mais volátil, com maior probabilidade de eventos desfavoráveis. 

Essa assimetria é exatamente a que observamos em qualquer modelo onde é assumido que um parâmetro é constante, quando na verdade é variável. Infelizmente, isso inclui toda a teoria moderna das finanças. Percebam que todos os modelos de precificação ou análise de risco existentes possuem ao menos uma variável estimada, que depende da expectativa, do instinto e da avaliação pessoal do analista. Observação importante: chamo-a de variável, pois seu valor irá variar a depender de quem analisa, mas para efeito de cálculos será uma constante, e é aqui onde reside todo o problema, pois sempre, em qualquer modelo, é desta variável que depende a eficácia da análise. É uma pena que, também sempre, essa estimativa falhará.

A Modern Portfolio Theory, de Markowitz, por exemplo, que é base para praticamente tudo que foi desenvolvido depois, exige que sejam estimadas as variáveis E (expectativa de retorno) e V (variância). A primeira envolve um julgamento dificílimo, e a segunda normalmente é calculada.

Ambos parâmetros estão, sem dúvida, sujeitos a uma infinidade de fatores que não podem ser colocados no papel, por isso são instáveis e incertos. Um modelo que os considera constantes irá, hora ou outra, colapsar, pois não deixa espaço para eventos inesperados —que também, hora ou outra, irão acontecer.— Em outras palavras, o retorno esperado resultante do modelo de Markowitz é absolutamente frágil, invariavelmente frágil

Finalizo
É muito complicado trabalhar com o risco quando não sabemos as variáveis que atuarão no futuro. Antes que seja acusado, não estou dizendo a vocês que as finanças modernas não valham de nada: existem casos, e muitos casos, onde elas podem servir-nos bastante. Estimativas, se usadas com inteligência, podem enriquecer nossa linha de raciocínio, e não são raras situações onde, sem estimativas, simplesmente não conseguimos sair do lugar.

Porém, e novamente apoiando-me em Taleb, nós precisamos aceitar a atuação da assimetria no conhecimento: existem muitas situações onde a análise estatística e as estimativas podem ser-nos úteis, só não podemos deixar que nossas economias —ou nossas vidas— dependam exclusivamente delas.

8 comentários:

  1. Olá, colega. Um bom artigo, permita-me algumas observações.
    a) Parece-me evidente que volatilidade é um risco. Aliás, em patrimônios de retirada (ou seja para quem quer ser independente financeiramente ou possui uma aposentadoria padrão que depende da renda de ativos) um dos maiores riscos, talvez o maior deles, é justamente a volatilidade e há nome para isso: sequência de retornos. Uma sequência de retornos desfavorável nos primeiros 10 anos (mesmo que a média de retorno em 30 anos seja igual a um outro portfólio que teve uma boa sequência de retornos nos 10 primeiros anos) é quase certo que levará o patrimônio a dificuldades.
    Se você quer comprar uma casa daqui 3 anos, provavelmente não colocará o seu dinheiro em ações, mesmo que elas possam ter uma expectativa de retorno maior do que um título governamental. E a única explicação é a volatilidade dos retornos das duas classes de ativos.
    Assim, é verdade que a volatilidade não é a única medida de risco, mas ela em certa medida, principalmente para certos investidores em certas situações, representa risco sim.

    b) Observo que muitas pessoas citam Taleb ultimamente. Se tem algo que Taleb, ao menos nos livros, não possui é muito senso de humor. Ele é um dos escritores mais vaidosos que já li, e não suporta qualquer crítica ao seu trabalho. Eventual crítico se transforma num "fragilista", aliás quase todas as pessoas que trabalham com economia ou filosofia atualmente são "fragilistas", apenas Taleb e alguns outros iluminados que não.
    É evidente que ele traz contribuições muito bacanas para a reflexão, eu mesmo gosto de várias, mas é preciso ter uma certa calma com as ideias dele, ou saber o que ele realmente está dizendo. Há 3 anos, quando Taleb ainda não era tão lido na blogosfera, eu disse que Taleb não era um profeta dos cisnes negros achando que você precisava ter altos conhecimento em finanças para navegar pelos mercados financeiros. Ele já nos primeiros livros, falava que a pessoa com 90% do portfólio tinha que fazer o básico (diversificação intra-extra classe, etc, etc - e a MPT faz um trabalho razoável aqui) e 10% deveriam ser "arriscados" em lugares onde o payoff para um evento inesperado fosse gigantesco.
    É uma ideia interessante a de opcionalidade (que ele trata no livro antifrágil e estende para muitos assuntos além de opções financeiras, que conforme ele como são conhecidas são razoavelmente bem precificadas).
    Agora, você vai propor para alguém que quer se aposentar agora e quer viver com 3-4% do seu patrimônio pelos próximos 30-40 anos que coloque 90% do seu patrimônio em Treasuries rendendo 1% nominal ao ano (com inflação de 2% ao ano)? A chance de um patrimônio desse se exaurir, praticando métodos ditos "fragilistas" pelo Taleb, é simplesmente enorme, aliás é quase certo que o dinheiro não chega no trigésimo ano.
    Portanto, Taleb é uma leitura muito interessante (e para mim há tópicos muito mais legais como a falácia ludica, por exemplo), mas é preciso ter certo cuidado para lidar com os conceitos que ele trata, bem como para desacreditar tudo que ele diz ser um conhecimento "frágil"

    Um abraço!

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    1. Fala, Soul.

      Sempre com comentários bem fundamentados e observações interessantes. Vamos lá:

      a) Sua observação é muito pertinente. Em portfólios de retirada, o risco da sequência de retorno existe e é justamente devido à volatilidade. Nada a acrescentar para este caso. Meu problema com a volatilidade, e especificamente o beta, é devido à minha inclinação ao valuation e de achar que usar o beta em modelos de precificação e projeção dos fluxos de caixa não faz muito sentido. Também creio que o beta seja bastante fraco como medidor de risco, na medida em que apenas pode representar a volatilidade passada de determinado ativo, não sendo suficiente para se tirar conclusões razoáveis a respeito de seu comportamento futuro, e pode muito bem comprometer um portfólio, seja ele de acumulação ou de retirada.

      Mas o principal para mim é: se estou projetando o desempenho futuro de uma empresa para os próximos dez ou quinze anos, qual a influência real da volatilidade nos seus resultados? Para mim, nenhuma. Portanto, neste caso creio que o parâmetro de risco, o fator que deverá entrar na equação representando a chance de colapso, nada tem a ver com a volatilidade da ação. E qual deveria ser este fator? Não faço a menor ideia. Contrariado, acabo usando mesmo o beta, rs.

      b) Confesso que nunca vi reação alguma do Taleb a uma possível crítica, mas vejo seus livros como bastante bem humorados. Acho a contribuição do Taleb ao debate inestimável, ele abre-nos os olhos para situações normalmente ignoradas e aponta-nos a fragilidade de alguém que acredita que pode proteger-se, por exemplo, apenas correlacionando ativos negativamente. Muitos vão além nessa crença, e operam alavancados, ignorando completamente o risco sistêmico, como o tão famoso LTCM.

      E, principalmente, eu acabo deleitando-me mais com seus livros pela inclinação filosófica e pela abrangência dos conceitos de aleatoriedade, contingência etc. nas outras áreas da vida. Praticamente, no que tange às finanças, a leitura de seus livros pouco adicionou à minha estratégia; nada que eu não tenha aprendido lendo livros sobre alocação de ativos ou diversificação. E nem poderia ser diferente, pois minha filosofia de investimento é fundamentada no buy and hold, e busco cada vez mais diminuir os meus esforços, deixar meus investimentos no piloto automático. Não digo que a estratégia do Taleb seja pior que a minha, talvez seja até muito melhor, mas estou fora de operar com mercado futuro e acompanhar diariamente o mercado como uma obrigação, algo inevitável para alguém que adota a estratégia dele.

      Abraços.

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    2. Textos bem construídos incentivam melhores comentários, se o meu comentário foi pertinente é porque o seu texto foi bom.
      a) Claro, colega. Por isso disse que a volatilidade poderia ser um fator de risco, não o único. O seu comentário já fala por si só, e creio não haver motivos para se estender aqui.

      b) Pois é, eu adoro ver como pessoas reagem a críticas. Assim, lembro que há um ano pesquisei sobre as reações de Taleb a críticas, e meu amigo, o cara parece que teve um faniquito. Não tenho a menor dúvidas que o trabalho dele é instigante, e nos traz muito material para refletir para muito além dos mercados financeiros, e só por isso a leitura dos seus livros são mais do que recomendadas (eu li três, e duas vezes a "A Lógica do Cisne Negro).
      A alavancagem é o X da questão. Ninguém quebra da noite para o dia se não estiver alavancado ou concentrado num único ativo.
      Ninguém vai quebrar se tiver o seu portfolio dividio entre 5-6 ETFs abrangendo diversas classes de ativo.
      Agora, concordo plenamente, que a confiança aliada a vontade de ter retornos cada vez mais em excesso por meio de alavancagem faz com que qualquer evento imprevisível possa ter consequências graves. Sendo assim, nesse ponto também concordo com o Taleb que deveríamos construir instituições, sistemas, que não fossem tão suscetíveis de uma maneira muito intensa a um evento imprevisível com consequências negativas.

      Valeu e um abraço!

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  2. Não consigo cadastrar meu email hudsonpfigueiredo@gmail.com para assinar suas postagens. Me ajude, e parabens pelo blog.

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    1. Hudson,

      Coloquei um gadget na barra lateral do blog. Gentileza verificar se resolve seu problema.

      Abraços.

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