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terça-feira, 20 de junho de 2017

A sorte, o ego e o cérebro

Tenho convivido nos últimos meses com um analista técnico que, aliás, já serviu-me de inspiração para outros artigos. Vamos a mais um deles. Este amigo, se assim posso chamá-lo, vem obtido um retorno bastante expressivo desde que começou a operar, lá para dezembro de 2015, e está convencido de que seu setup é matematicamente favorável, ou seja, que no longo prazo irá invariavelmente obter retornos positivos.

Como podem imaginar, em uma de nossas conversas tentei apenas levantar a hipótese de que talvez ele tenha operado em um ciclo extremamente favorável no mercado, e que talvez o período seja ainda muito curto para qualquer conclusão, por isso, a cautela se faz necessária. É claro que a reação foi péssima.

Mas aqui temos um contratempo que não se restringe apenas à analistas técnicos, apesar de que neste caso é muito mais comum: nós simplesmente não conseguimos atribuir nosso sucesso à sorte.

E isso se torna um problema a partir do momento em que começamos a realmente sentir confiança em nossas habilidades e portanto arriscar-nos cada vez mais. Nos iludimos que possuímos o controle das variáveis, quando subitamente a realidade nos atropela. O ego, aqui, é um inimigo cruel. Mas não o único, e nem o pior: nosso cérebro, esse sim, é o que mais pode nos prejudicar quando investimos.

O cérebro humano odeia, detesta aquilo que não pode explicar. Nossa necessidade incontrolável de relacionar causa e efeito é um tema que já tirou o sono de muitos escritores e filósofos, e nos investimentos não poderia ser diferente. Por que temos de ter resposta para tudo?

Jason Zweig, muito conhecido por ter escrito as apresentações aos capítulos do livro The intelligent investor, de Graham, nos ilumina com essa negação curiosa, e nos ajuda a entender o porquê de instintivamente não aceitarmos o desconhecido. Em seu livro Your money and your brain: how the new science of neuroeconomics can help make you rich, ele demonstra através de uma infinidade de dados e pesquisas que, no lidar com o dinheiro, nosso cérebro ajuda-nos bem menos que pensamos.

Em primeiro lugar, Zweig mostra-nos que o cérebro humano é uma máquina de identificação de padrões. Fato conhecido, para quem já estudou algo de psicologia. E isso implica que, quando vemos algo acontecer duas vezes, instintivamente raciocinamos que haverá uma terceira e é gerada em nós uma sensação de expectativa. Por isso sempre, e invariavelmente sempre, tenderemos a prever os movimentos do mercado.

Vamos piorar um pouquinho a situação: essa necessidade é inconsciente, o que quer dizer que mesmo que estejamos frente a modelos complexos e análises sofisticadas, continuaremos a buscar por padrões; é automática, portanto mesmo que diante da pura aleatoriedade, insistiremos nessa busca, pois é assim que nosso cérebro funciona; e é incontrolável, portanto nós simplesmente não conseguimos desligar este processo, ou fazê-lo ir embora.

Desta feita, é forçoso concluir que muito provavelmente a melhor de nossas análises talvez esteja sendo distorcida, fantasiada pelo nosso próprio cérebro e que talvez nossas conclusões estejam refletindo apenas —ou em parte— nossa expectativa. Mas sabem o que é o pior de tudo? Que se ganharmos dinheiro, nosso mecanismo de recompensas reage, e nosso cérebro automaticamente atribui o sucesso à nossa análise "correta".

É assim mesmo, meus amigos: quando acertamos, é porque somos bons; quando erramos, foi o azar, um fato inesperado ou algo do tipo.

A verdade incômoda é: ao investir, lidamos com uma infinidade de fatores que simplesmente não são passíveis de análise, portanto, nossas conclusões estarão sempre sujeitas à falhas. E isso quer dizer que obrigatoriamente nosso sucesso terá uma parcela de sorte que pode ser inclusive muito maior que a de nossa habilidade. Desmerecê-la, diminuí-la ou ignorá-la só fará com que fiquemos ainda mais vulneráveis.


O que tenho concluído após estes anos estudando o mercado é que o acerto fundamental de um investidor é tão somente evitar erros crassos, e que todo e qualquer tipo de método de análise é limitado, simples assim. Tenho batido insistentemente nessa tecla, pois já vi empresas excelentes piorarem e métodos estatísticos complexos falharem grosseiramente. Portanto, continuo defendendo que uma gestão de risco inteligente deve ser o alicerce para a construção de um portfólio. O método de avaliação deve ficar apenas em segundo plano.

E assim concluo: não existe, para nós investidores, postura inteligente que não parta da humildade. Temos um instinto feroz atuando dentro de nós nos encorajando e buscando sentido onde pode não haver. Nossas estimativas normalmente são mais imprecisas do que pensamos, e por isso pode sair bem mais barato ter mais dúvidas que certezas quando lidamos com o mercado de capitais.

18 comentários:

  1. "O acerto fundamental de um investidor é tão somente evitar erros crassos".

    Pretenso Milionário

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    1. São 5 dólares de royalties, Anônimo, rs.

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    2. Também achei essa parte sensacional e ia fazer um comentário sobre ela. Bem, o quote já está no primeiro comentário. Nada a acrescentar além de parabenizá-lo pelo excelente texto.

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  2. É bem esse o caminho: trabalhar focado em perdas pequenas. A partir do momento que você trabalha focado em grandes ganhos, esquece de cuidar dar perdas, que acabam sendo grandes também.

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  3. PM, primeira vez aqui no blog. Já tinha visto você postando comentários em outros blogs e vim conferir seu material.

    Caramba, vc escreve muito bem! Adorei a reflexão, um vocabulário bem rebuscado e com boas colocações.

    No aguardo do próximo post, abraço!

    - Mark

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  4. Boas reflexões, e a última frase resume tudo:

    "por isso pode sair bem mais barato ter mais dúvidas que certezas quando lidamos com o mercado de capitais"

    O mercado financeiro gira em torno da dúvida, sem dúvida não existiria mercado. Todo precificação é realizada a partir de uma quantificação pura e simples da dúvida. Quanto maior a dúvida maior o risco. Quanto menor a dúvida maiores as expectativas.

    Enfim, gosto muito desta frase:

    "se você não tem dúvidas... mal informado está!"

    Abraço!

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    1. Uó,

      O impressionante é a abrangência deste raciocínio.

      Abraços.

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  5. Ótimo artigo.

    Infelizmente, eventualmente seu amigo vai quebrar.

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    1. Valeu, CF.

      Espero que não, mas tudo indica que sim, rs. Torço para que ele largue isso antes da próxima crise.

      Abraços.

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  6. Grande PM sempre com boas reflexões e mostrando habilidade com as palavras.

    Meu caro, seria fantástico você publicar um artigo (ou uma série) no estilo que o AdP fez aqui: http://alemdapoupanca.blogspot.com.br/2017/03/explicando-minha-forma-atual-de.html?m=1

    Você explicando: sua forma de avaliar empresas, estratégia de alocação, temas clássicos: análise crítica dos chavões do Bastter, aportes dobrados, estudos e afins.

    Sei que você gosta de escrever, esse blog tem um dos melhores conteúdos dá blogosfera. Até pagaria (bitcoins) por conteúdo.

    Fui...
    TGR Investidor

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    1. TGR,

      Muito obrigado pelo elogio, mas nem brinque com isso... bitcoins estão valendo o ouro, está fácil de me seduzir, rs. Deixando as piadas de lado, eu não posso cobrar por nada que está sendo escrito aqui, e existem restrições feitas pela CVM sobre até onde posso ir analisando empresas.

      Essa série do AdP é realmente muito boa, inclusive acho que comentei em quase todas as partes. Tenho mais alguns artigos praticamente finalizados, depois disso certamente levarei suas ideias em consideração. Algumas postagens atrás, também solicitaram aqui artigos com a pegada de análise de empresas, inclusive por isso saiu este último que escrevi sobre as margens. O problema desse tipo de postagem é que eu não sei exatamente até onde poderia aprofundar sem que eu acabe criando problemas. Pensarei em escrever algo parecido com essa série do AdP.

      Valeu o comentário.

      Abraços!

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  7. PM, excelente texto! Concordo integralmente contigo.

    Análise técnica parece piada. Value Investing tem sua lógica, mas não prevê cisnes negros (nem precisa ser negros, não prevê muitos cinzas que ocorrem com uma frequencia maior do que se imagina. Adivinhar tendências de moedas, reais ou virtuais, commoditties, etc, é acreditar que não existe uma pequena classe de pessoas que influenciam enormemente esses mercados e que vc não será o primeiro a saber, nunca!

    A boa gestão de riscos, através de uma boa carteira de ativos, é de fato o alicerce principal. E com base nisso, evitar erros crassos! Perfeito!

    Abraço!

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  8. Salve, PM! Estou com uma rentabilidade muito boa esse ano, mas estou ciente que é mais sorte do que habilidade propriamente dita. Você está certíssimo em se precaver para que evitemos uma situação de excesso de confiança.

    Abraços!

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