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terça-feira, 28 de junho de 2016

Análise intrínseca e análise relativa

Um dos livros que mais marcaram minha trajetória de estudos do mercado foi Valuation - Como avaliar empresas e escolher as melhores ações, de Aswath Damodaran. Neste livro o autor explora a abordagem de valor oferecendo ao leitor duas metodologias de análise de um ativo: a análise instrínseca e a análise relativa.

Recentemente publiquei uma entrevista concedida por ele ao Infomoney, o que me motivou revirar minhas anotações e resgatar seu livro para escrever este artigo, comentando brevemente seus métodos. Então, vamos lá.


Primeiramente, algumas explicações. A análise de valor aplica-se partindo do princípio de que o mercado é um mau precificador de ativos a curto prazo, por isto, sempre encontraremos discrepâncias entre valor e preço de uma ação, que podem permitir-nos comprar uma empresa por um preço inferior ao que ela realmente vale. Por esta abordagem, consideramos que os fatores que influenciam o preço de um ativo a curto prazo (bom-humor dos investidores, euforia do mercado, noticiário econômico...) pouco se relacionam com o verdadeiro valor de uma empresa, por isso, é natural que os preços apresentem disparidades, muitas vezes irracionais. Também, por este método admite-se que o mercado comete erros pontuais, porém acertam na média e com o tempo; sendo assim, uma empresa sub ou sobreavaliada tenderá a ter seu preço próximo ao seu valor no longo prazo. 


Outro ponto importante é: a análise de valor não é algo trivial, e para muitos investidores —seja por falta de tempo, inclinação ou interesse— ela simplesmente não é indicada, pois toma tempo e envolve bastantes variáveis. Portanto, o livro oferece ferramentas para aqueles que optam por se aventurar e avaliar empresas por conta própria.


Por último, gostaria de deixar bem claro que, obviamente, toda análise sempre será imperfeita. Qualquer método que venhamos a utilizar deverá ser usado apenas como uma ferramenta auxiliar à nossa análise, jamais devemos tomar decisões de compra ou venda baseando-se apenas em métodos de precificação, isto é uma estupidez. Porém, precificar ativos pode ser muito útil, pois apesar de não conseguirmos medir precisamente o valor de uma empresa, facilmente visualizamos os casos de empresas extremamente sobreavaliadas ou subavaliadas, e normalmente são nestas situações que poderemos encontrar grandes oportunidades de investimento.


Sendo assim, neste artigo pretendo apresentar brevemente ao leitor a análise intrínseca, e explorar um pouco mais a análise relativa.


Análise intrínseca

A análise intrínseca parte do princípio de que o valor de um ativo é determinado pelo fluxo de caixa que este ele será capaz de gerar no futuro e pela incerteza relacionada a esta previsão.

O método de Fluxo de Caixa Descontado (em inglês, Discounted Cash Flow, ou DCF), recomendado pelo autor para a análise intrínseca, relaciona o valor de uma empresa ao valor presente de seus fluxos de caixa futuros esperados, descontados a uma taxa que reflete o risco atrelado a estes fluxos. Por meio desta abordagem, o que se determina é a capacidade de geração de caixa proveniente das operações normais da empresa, ou seja, seu potencial de geração de lucro através de suas atividades operacionais.


Usando o DCF chegamos ao valor justo de uma empresa e, comparando com seu preço atual, deduzimos se ela está cara ou barata.


Esta metodologia aplica-se para uma grande gama de empresas, principalmente as de crescimento e crescimento moderado, onde se é possível fazer alguma estimativa razoável de sua geração de caixa futura. Porém, para algumas classes de empresas, como empresas de dividendos ou empresas cíclicas, este método é menos eficaz. 

A grande chave deste modelo é a determinação da taxa de crescimento futuro da empresa, e a aproximação desta estimativa ao valor real é algo que exige cautela e experiência. No livro, Damodaran aborda em detalhes o cálculo e nos passa vários artifícios que podemos usar para fazer uma análise mais precisa.


A título de curiosidade, existem diversos outros métodos de cálculo de análise intrínseca, como o dividend discount model (DDM), ou a famosa fórmula de Graham. Esta análise busca, basicamente, verificar a margem de segurança que o investidor possuirá investindo na empresa pelo preço atual. Esta margem é calculada dividindo o valor encontrado no método de precificação pelo preço atual do ativo. Cabe ao investidor escolher o modelo que mais lhe agrada. No meu caso, o modelo que mais gosto é de fato o DCF, que é abordado neste livro (lembrando que não é para todas empresas que ele se aplica).


Como disse, não irei me alongar nesta análise, pois a internet já possui diversos artigos explicando a utilização deste método. O foco aqui será a próxima análise, muito pouco utilizada, apesar de sua grande utilidade: a análise relativa.


Análise relativa

Enquanto a análise intrínseca estabelece um preço fixo para uma empresa, a análise relativa a avalia com base em como empresas semelhantes são precificadas no mercado. A análise relativa encontra empresas comparáveis, ajusta seus preços a uma variável comum e os compara, analisando o que justificará —ou não— a disparidade entre suas precificações.

A grande vantagem da análise relativa é a facilidade em obter-se os dados necessários e a simplicidade em manipular os múltiplos. Os indicadores que utilizamos deverão ser atrelados ao preço e baseiam-se em dados passados, como P/L (preço/lucro), P/VPa (preço/valor patrimonial), P/V (preço/vendas), P/EBITDA (preço/EBITDA) etc.; com destaque para o primeiro, em que sua companion variable é exatamente o crescimento esperado. Resumindo: há uma incompatibilidade quando encontramos empresas com P/L baixos e taxas de crescimento esperado altas, ou seja, provavelmente estamos diante de uma empresa subavaliada.


Vamos a um exemplo, aplicando-se a análise relativa no setor de madeira e papel. Abaixo estão os respectivos valores de P/L e LPA ajustados aos últimos 12 meses das empresas do setor que obtiveram algum lucro, além do preço das mesmas no momento em que escrevo. Os dados foram retirados do site do Bastter e do EXAME.



P/L LPA Preço
Eucatex 29,44 R$ 0,14  R$          4,08
Fibria 37,94 R$ 0,64  R$        24,47
Suzano 13,45 R$ 0,89  R$        11,90
Klabin 55,60 R$ 0,12  R$          6,68
Duratex 60,42 R$ 0,14  R$          8,43
Média 39,37

De cara, o que percebemos? A Suzano é uma empresa que está barata em relação ao setor. Aí vem a grande pergunta: por quê? Mas antes de mostrar-lhes as alternativas que temos, quero abordar outra questão.


Tive de analisar inúmeros setores da bolsa para buscar estes dados e não encontrei atualmente nenhum exemplo de empresa extremamente sobreavaliada. Alguns motivos justificam: estamos claramente em um mercado de baixa, onde praticamente tudo está barato; grande parte das empresas —triste dizer— apresentaram prejuízos nos últimos doze meses, o que faz com que seu P/L fique negativo e não nos sirva para a análise.


Sendo assim, quero simular uma situação: lembro-me de ver há pouco tempo atrás, em 2015, a Lojas Americanas com um absurdo P/L de 245. Quando isto acontece, e é muito comum em mercados de alta, nossos dados acabam completamente distorcidos. Uma observação: nada justifica um P/L desta natureza. Quando uma empresa é negociada por 245 vezes seus lucros significa que o investidor que comprá-la neste preço terá o retorno de seu investimento em 245 anos, caso a empresa mantenha sua lucratividade por este tempo. Obviamente, ninguém tem este tempo todo. Mas vamos ver o que aconteceria se a Lojas Americanas ainda estivesse com este P/L —ela apresentou prejuízos nos últimos 12 meses— e integrasse o setor de madeira e papel.



P/L LPA Preço
Eucatex 29,44 R$ 0,14  R$          4,08
Fibria 37,94 R$ 0,64  R$        24,47
Suzano 13,45 R$ 0,89  R$        11,90
Klabin 55,60 R$ 0,12  R$          6,68
Duratex 60,42 R$ 0,14  R$          8,43
Lojas Americanas 245,00 -  - 
Média 73,64

A média do setor, que era 39,37, passaria para 73,64, o que comprometeria nossa análise, pois todas as empresas do setor estariam abaixo da média, com exceção da Lojas Americanas. Por isto, nestas situações devemos utilizar a mediana, que nada mais é que a média descartando-se os extremos encontrados. Neste caso, eliminaríamos o 245,00 da conta e chegaríamos a uma média que faz muito mais sentido para o setor. Este ponto é muito importante.


Agora, vamos a outro exemplo: aplicaremos novamente a análise relativa, desta vez para o setor de varejo, setor, aliás, com ótimas empresas. Abaixo estão os respectivos valores de P/L e LPA ajustados aos últimos 12 meses das empresas do setor que obtiveram algum lucro, além do preço das mesmas no momento em que escrevo:



P/L  LPA   Preço 
Arezzo 20,27  R$      1,32  R$        26,75
Lojas Renner 25,58  R$     0,90  R$        22,97
Grazziotin 5,87  R$      2,15  R$        12,62
Guararapes 12,44  R$     4,42  R$       55,00
Média 16,04

Aqui, temos duas empresas acima da média e duas abaixo. Novamente, nos vem a pergunta: o que justifica tais discrepâncias? Damodaran nos oferece três possíveis justificativas: diferenças entre crescimento, risco e geração de caixa. 


Vejamos a Guararapes: esta empresa possui uma menor perspectiva de crescimento, um maior risco ou menor capacidade de geração de caixa em relação a média do setor que justifique seu menor P/L?


Caso o investidor não consiga responder a questão acima e prefira se embasar em números, a análise relativa é interessante por permitir, de maneira bem simples, que analisemos a projeção futura destes fatores. Mostro-lhes como.


Para verificar, por exemplo, se a perspectiva de crescimento justifica a sub ou sobreavaliação de uma empresa, podemos simplesmente dividir o P/L sobre a taxa de crescimento esperada, chegando ao P/L/C. A título de demonstração, colocarei taxas de crescimento esperadas aleatórias para todas as empresas, porque, afinal, estamos atravessando a maior crise de nossa história, ficando difícil desenhar um cenário de crescimento de lucratividade para qualquer setor. Nos últimos doze meses, apenas a Grazziotin das empresas listadas obteve crescimento nos lucros, e de míseros 2%. Mas voltando, neste cenário hipotético, ficaria assim:



P/L  LPA   Preço  Crescimento       esperado P/L/C
Arezzo 20,27  R$      1,32  R$        26,75       5,00% 4,05
Lojas Renner 25,58  R$     0,90  R$        22,97      10,00% 2,56
Grazziotin 5,87  R$      2,15  R$        12,62       5,00% 1,17
Guararapes 12,44  R$     4,42  R$       55,00       5,00% 2,49
Média 16,04 2,57


Vejam como a situação mudou. Neste cenário desenhado, a Renner, que era a empresa mais cara na primeira triagem, agora se apresenta próxima à média do setor. A Arezzo, que estava ligeiramente acima da média, agora é definitivamente a mais cara. A Grazziotin, neste cenário em que mantém seu crescimento em 5%, continuaria sendo a mais barata do setor. O que isso quer-nos dizer? Duas coisas:


1) Empresas que a princípio são tidas como caras podem compensar seu preço em resultados.


2) Empresas que a princípio estão com seu preço acompanhando a média do setor podem, na verdade, estar muito mais caras do que todas, a depender do que se espera de seus resultados.


Além disto, Damodaran ainda oferece uma abordagem estatística para aqueles que gostariam de relacionar mais de uma variável à sua análise. Para estes, ele mostra como fazer uma regressão múltipla em que associa uma variável dependente (o P/L, por exemplo) com duas ou mais variáveis independentes (como o crescimento ou risco). Aos interessados, vejam exemplos de dois estudos brasileiros feitos para em cima dos setores de energia elétrica e construção civil. Os links estão aqui e aqui. Não é algo simples, portanto não vou me alongar neste ponto.


A análise relativa, de fato, é uma ferramenta muito útil na análise de empresas. Podemos facilmente identificar aquelas ações que estão extremamente fora da média, e através dela temos uma visão bastante ampla do setor em que iremos nos inserir. Porém, como todo método, apresenta pontos fracos e, ao meu ver, o principal neste caso é o fato de toda a análise depender demasiadamente de dados fornecidos pelo mercado que, como já mencionei, considero um mau precificador.

Para finalizar, deixo as palavras do autor: "a atratividade dos indicadores é que são simples e é fácil de relacioná-los. Podem ser utilizados para obter estimativas de valor com rapidez, para empresas e ativos, e são especialmente úteis quando há um grande número de empresas comparáveis. Porém, podem ser facilmente manipulados e usados incorretamente, além de permitirem a inclusão de erros que o mercado pode estar cometendo na avaliação das empresas comparáveis."


Para o investidor cauteloso é uma ferramenta que, sem dúvida, pode agregar bastante.

5 comentários:

  1. Muito bom este texto que vc elaborou, parabéns!
    De qq forma continuo não utilizando indicadores de preço como o P/L para compra de ações.
    Abraço!

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    Respostas
    1. Uó,

      É cada um com sua estratégia. Que tenhamos todos sucesso!

      Mas acho que você não faria mal em dar uma chance ao professor Damodaran, rs.

      Obrigado pelo elogio!

      Abraços.

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  2. Seus textos são ótimos, muito esclarecedor para quem está começando!
    Obrigado ! !

    abs
    L.

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  3. Opa!

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    Compartilhe esta ideia mas suas redes sociais para incentivarmos novos blogueiros.

    http://abacusliquid.com/blogosfera/finansfera-timeline/

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